sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Veja como foi: Palestra da Selene Nunes no dia 19/11

A palestrante tem uma história profissional ligada a Lei de Responsabilidade Fiscal, trabalha atualmente no Tesouro Nacional e participou da elaboração do PLS 248, um dos projetos que visavam a revisão e substituição da Lei 4.320/1964, para em questões pontuais fazer pequenas correções,o objetivo não é a flexibilização da LRF. Nesse contexto, temos quatro projetos, todos de 2009: PLS 229, 248, 450 e 175. Houve um esforço grande dos técnicos em uma discussão bastante amadurecida, entretanto, falta apoio político para que o projeto siga adiante.


Primeiramente, é importante compreender a Lei 4.320. A Constituição prevê elaboração de duas Leis Complementares sobre finanças públicas, uma está prevista no art. 163 e a outra no art. 165, §9º. Aquela do art. 163 prevê uma Lei de finanças públicas simplesmente, com base neste dispositivo constitucional foi elaborada a Lei de Responsabilidade Fiscal. Por outro lado, o art. 165 em seu §9º prevê a criação de uma lei complementar específica para dispor sobre o exercício financeiro, vigência, prazos, elaboração e organização do PPA, da LOA e da LDO, bem como estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da Administração Pública e condições para instituição e funcionamento de fundos. Então, interpretamos que a LRF seria uma lei mais ampla, enquanto que a lei 165 seria uma lei para orientar o processo orçamentário, detalhando a elaboração e tramitação das peças procedimentais abrangendo todo o ciclo de gestão.
Nesse contexto, a Lei 4.320 foi recepcionada pelo Supremo Tribunal Federal como sendo esta a lei que se referia o art. 165 da CF. No entanto, a Lei 4.320 é de 1964, e está em vigor até hoje tendo vários problemas de atualização: há sobreposição da LRF, há dispositivos não recepcionados materialmente pela CF, ela não abrange a questão do planejamento orçamentário, pois o PPA foi uma criação da CF/88. Se trata de uma lei com muitas dificuldades para ser implementada, não tem mais a qualidade de que necessitamos na gestão pública.
Desde a CF/88 tem-se tentado elaborar esta Lei Complementar, uma das grandes tentativas foi a de 2009, em que se tem uma visão mais atual. Tivemos três senadores envolvidos com esta reflexão e apoiados por técnicos. A ideia seria revogar explicitamente os dispositivos revogados pela CF/88 e pela LRF; normalizar outros dispositivos incluídos pela CF/88 e abordar o PPA e LDO que não são tratados pela Lei 4.320; enxugar a LDO federal no que se refere a normas gerais; fazer a convergência das normas internacionais a serem aplicadas no setor público; ajustar a LRF à CF, tendo em vista as Emendas Constitucionais posteriores à edição da LRF; orientar a gestão pública para resultados, do planejamento até o controle, ou seja, focar na qualidade de gasto público. Na opinião da palestrante este seria o principal ponto, pois assim se solucionaria vários problemas da gestão contribuindo assim para a constituição de um Estado meritocrático e também problemas do controle da Administração Pública.


Com base no exposto, surge a reflexão: por que não conseguimos ter um gasto público de qualidade? Por que não conseguimos ter bons serviços prestados aos cidadãos? 
Nesse sentido, a ideia dos projetos não é substituir a LRF, mas sim ter a LRF orientada para o equilíbrio fiscal e ter uma outra Lei Complementar que orientaria a Administração Pública para a qualidade do gasto público. Assim, estes quatro projetos foram analisados na Comissão de Constituição e Justiça e na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, onde a tramitação ficou paralisada. Foi feito um relatório com o substitutivo mas, neste momento, não houve acordo com o Governo Federal de modo a impedir o prosseguimento do projeto.
Após a explanação acerca do contexto dos projetos, a palestrante passou a abordar a estrutura do substitutivo, que faz uma junção dos projetos. Interessante analisar os detalhes da estrutura do ciclo de gestão nos slides pelos SLIDES. Começa pela parte de planejamento seguindo para uma parte de gestão financeira e patrimonial, concluindo com o controle.
Quanto ao planejamento, sabemos que hoje se trata de uma prática no Brasil, ou seja, não há uma Lei como norma geral que estabeleça o procedimento de planejamento. Isso gera uma série de problemas, pois qualquer governante pode resolver fazer o planejamento de uma forma completamente diferente da do outro. A quebra de metodologia é discricionária, pois não há lei que oriente, então, hoje temos várias metodologias de planejamento que não conversam entre si por faltar norma geral. Desta forma, um dos papéis da Lei Complementar é orientar o modo de realizar o planejamento para que todos façam de forma igual.

Na metodologia anterior tínhamos a identificação de problemas, mensurada por um indicador, estrutura um programa com várias ações e estabelece metas físicas, depois se cria um monitoramento para isso. Portanto, como o planejamento tem uma meta física associada a uma ideia de custo do projeto e de cada ação envolvida, então se tem uma relação custo benefício no PPA sendo possível monitorar o programa e construir indicadores de eficiência, eficácia e efetividade do gasto público. Até bem pouco tempo tínhamos dificuldade para construir isso, pois não tínhamos um sistema de custos estruturado na Administração Pública. Com muita dificuldade conseguiu-se estruturar tal sistema. Ocorre que, mudaram toda a metodologia do PPA retido nesta mudança as metas físicas. Então, agora, não se tem mais meta, não sendo possível avaliar eficiência, eficácia e efetividade.
No substitutivo, os consultores que o elaboraram organizaram o PPA em programas e ações com ênfase na concatenação de diretrizes, objetivos, metas, prazos e disponibilidade de recursos e de custos, associados a metas específicas e determinação de indicadores. Assim, o substitutivo batia de frente com a diretriz que tinha determinado o Poder Executivo, isto é, de que não mais haveria meta física. Esta foi uma das razões do projeto ter sido paralisado. Os responsáveis do Executivo alegavam que o PPA concebido da forma tradicional engessavam a administração e queriam poder ficar alterando o PPA a todo momento e através o orçamento.
A palestrante destacou que o crescimento de estruturas paralelas que fazem o controle do sistema de orçamento e planejamento mas que não se integram no planejamento geral cria a dificuldade de se concatenar os programas, isto pois se tem critérios de avaliação não públicos e separados do PPA central. Este é um problema que se acerbou muito neste governo. 
Em seguida, a palestrante adotou o diagnóstico da nota conjunta número 9 de 2011, feito pela Consultoria da Câmara e do Senado. Este diagnóstico apresentava o enfraquecimento do PPA como instrumento de planejamento, o governo utilizava o argumento de redução da complexidade da peça procedimental o que impedia o acompanhamento do PPA. No entanto, na redução dessa complexidade se passa de 321 para 129 programas, 65 temática, 4327 ações para nenhuma, se retirou as ações do PPA, e incluiu 493 objetivos e 3503 iniciativas. 
Quanto ao tema, a palestrante entende que a agregação não reduz a complexidade, a realidade é que é complexa. Para compreender esta complexidade eventualmente fazem-se necessários vários recortes detalhados do PPA e também é preciso ter visões mais gerenciais que façam agregações e que tenham uma capacidade melhor de comunicação com o público. A complexidade não é do planejamento, mas da realidade do planejamento. 
Assim, pelo modelo atual não se tem metas quantificadas, os indicadores não são de resultados, tem dificuldade de avaliação de desigualdades regionais, tem o PPA submetido integralmente à LOA, podendo ser alterado anualmente pelo orçamento. Desta forma, se subordina o longo prazo ao curto prazo, quando deveria ser o contrário: deveríamos estruturar o curto prazo para tingir o horizonte de longo prazo. 
Outro problema apontado pela palestrante são os planos setoriais criados por leis e decretos em detrimento da estrutura do PPA. Temos o oca, o Brasil sem miséria, o plano safra agricultura familiar, são vários planos, mas não se tem um plano que junte tudo e dê racionalidade ao sistema. Isso certamente dificulta a avaliação, se avalia planos setoriais sem correspondência com programas e ações do orçamento.
No substitutivo, os consultores subordinaram execução da política, plano ou programa ao PPA e LDO. Ainda verificamos certa complexidade, pois vivemos em uma federação. Têm-se planos nacionais e precisa saber como este irá conversar com os planejamentos estaduais e municipais, adentramos no problema das competências constitucionais. Para cada uma das políticas é necessário ter uma estruturação em que se esclareçam papéis para a União, estado e municípios. As competências de gasto estão mal definidas na própria CF, isso gera o problema secundário da dificuldade em estruturar as políticas e fazer com que estas dialoguem com os planejamentos, que são: federal estadual e municipal.



Outro problema são os prazos de envio e devolução do PPA, LDO e LOA. Em um primeiro ano percebe-se que a LDO está indo antes do PPA, então se estabelece diretrizes e prioridades de algo que nem existe ainda, há uma inversão de prazos. Além disso, todos os entes querem sempre ter um prazo mais longo, o Executivo quer mais prazo para elaborar e o Legislativo que mais prazo para aprovar e, ainda, a sociedade quer participar, o que demanda tempo. Por fim, não se consegue integrar estes prazos nacionalmente, pois o PPA está associado ao mandato, pois vale a partir do segundo ano do mandato do governo atual. Acontece que o pleito da União e do estado tem uma determinada data e o do município não coincidi com esta data. Um diálogo federativo para decidir o que fazer com relação à certa questão e que exija a participação de todos os âmbitos da federação não será possível, pois o PPA de um está sempre no meio da aprovação do PPA do outro. Está foi uma das razões pela qual o projeto da substituição da Lei 4.320 não teve prosseguimento, não se teve acordo sobre prazos.
Compreendido a complexidade do planejamento passamos a analisar para o que serve o planejamento e entender o que significa o gasto de qualidade. Ora, o gasto de qualidade é aquele que o povo quer que seja e deve estar previsto no PPA. Este planejamento, no governo, não tem o objetivo de obter lucro, mas fazer a entrega de bens e serviços espelhada no planejamento. Então, é preciso que o planejamento tenha clareza quanto ao que se quer e criar um método de gestão com resultados e perseguir este objetivo em todas as etapas da gestão. O que não é uma coisa fácil, pois usualmente desconstruímos etapas anteriores, se gasta esforço para fazer o planejamento e posteriormente ao executar o orçamento o próprio gestor desconstrói o trabalho empregado em outra etapa do ciclo. Portanto, devem-se identificar as metas e criar instrumentos para que não haja desconstrução daquilo que já foi planejado e orçado. É preciso exigir mais da avaliação e interligar a estrutura de planejamento com o sistema de custos para permitir uma avaliação da qualidade dos gastos públicos.
Isso exige que se façam classificações orçamentárias, e não ficar mudando os critérios a todo o momento. A classificação por elementos deve ocorrer apenas na execução, pois não há necessidade de uma conduta muito detalhista no orçamento, há de se orientar mais para os resultados. 



No que tange à inscrição de restos a pagar temos um problema seriíssimo. Trata-se do orçamento paralelo: temos o orçamento em vigor e os restos a pagar do exercício anterior. Nos municípios e estados a LRF ajudou muito, pois estabeleceu que ao final do mandato só pudesse realizar despesas se deixasse recursos para que o próximo gestor possa realizar o pagamento. Quanto à União não há efetividade dessa limitação, pois o caixa dela é enorme permitindo a rolagem da dívida pública. No substitutivo, se pensou em criar uma regra transitória para reduzir os estoques de restos a pagar. Essa discussão está ligada ao resultado primário, que é apurado pelo critério de caixa e não de competência, perdeu-se a referência do que é resultado primário. Uma das propostas foi arrumar o cálculo do resultado primário e reduzir os restos a pagar, mas se conseguiria cumprir a meta fiscal desta forma.
Quanto ao contingenciamento preventivo, o substituto o coloca como proibido. Pela regra da LRF: estabelece PPA e LDO, faz a programação financeira e compara o que foi efetivamente arrecado e o que foi gasto com despesas com aquilo que estava previsto na programação. Se neste momento há um indicativo de que não vai ser possível cumprir a meta fiscal há obrigação de se realizar o corte. Se não fizer o corte será crime de responsabilidade ou terá que pagar multa. Atualmente se corta tudo no início e vai liberando aos poucos por critérios políticos, este é o problema. 
O critério da LRF que era olhar para o futuro, verifica se o que se tem é suficiente para atingir a meta, se não for corta, se estiver sobrando recompõe, na prática não funciona. Na prática se utiliza o contingenciamento preventivo: corta tudo no início e libera aos poucos por outros critérios. Isso explica a rebelião no Congresso ao tentar aprovar um orçamento mandatório, pois ele aprova um orçamento que é desconstituído na execução. 
Além dos temas já apresentados, o substituto também aborda: metodologia do resultado primário e nominal; classificação da dívida; normas de contabilidade; separa os conceitos aplicados a orçamento e a contabilidade; demonstrações contábeis; definição de fundos de gestão orçamentária e o de gestão especial; reforçar o sistema de transparência, ideia de ter a contabilidade de todos os entes da Administração na internet possibilitando comparações; fortalecer a meritocracia, ou seja, ter concurso público nas atividades fim e os cargos em comissão ficariam submetidos a limites de um grande percentual ocupados por servidores de carreira; proteger áreas estratégicas e regular conflitos de interesses; instituir o controle interno, atualmente não há regulamentação de controle interno; criar prazos para julgamento de contas no controle externo; dentre outros.
Diante de todo o exposto, perdemos que se trata de um projeto que faz diagnóstico do ciclo de gestão. Procura orientar toda a gestão para resultados, criando metas para isso. Obriga assim a gestão a criar resultados, por exemplo, a contabilidade teria informações sobre resultados, o controle teria que focar em resultados, na execução se teria que observar os resultados e não a distribuição entre os entes. Desta forma, tem-se a avaliação da qualidade dos serviços públicos pelo usuário final, o cidadão.
Ao final foi realizada a seguinte pergunta: na teoria, a accontability da nova gestão pública tem um grande foco no resultado, mas na literatura aponta que o déficit da accontability está no processo. Entretanto, hoje discutimos pontos de processo: o governo precisa ter uma norma que oriente como fazer um planejamento. Isso se mostra contraditório com o apresentado pela doutrina. Nesse contexto, ao elaborar este projeto de Lei Complementar havia esta riqueza teórica por traz, ou seja, se estavam pensando no conceito de Administração Pública focado no resultado com o objetivo de dar início a uma forma de planejamento estratégico?
A palestrante respondeu que a equipe que elaborou o substitutivo tem visões diferenciadas. A visão da palestrante é de gestão por resultado, não se dá para perseguir resultado sem focar em processo, pois elaborar bons planejamentos consome esforço, tempo e energia e depois desconstruir este trabalho na execução com o contingenciamento preventivo é ilógico. Na contabilidade não se tem um número sobre resultado, ao chegar ao controle tem-se que se preocupar com o resultado, mas não se tem acesso ao número, pois a informação foi desconstruída ao longo do processo, assim, não consegue focar no resultado, embora devesse. Então, falta informação, pois o processo não está construído para gerar gasto público de qualidade. CLIQUE AQUI para ver os Slides do Seminário.

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