A palestrante tem uma história profissional ligada a Lei de
Responsabilidade Fiscal, trabalha atualmente no Tesouro Nacional e participou
da elaboração do PLS 248, um dos projetos que visavam a revisão e substituição
da Lei 4.320/1964, para em questões pontuais fazer pequenas correções,o
objetivo não é a flexibilização da LRF. Nesse contexto, temos quatro projetos,
todos de 2009: PLS 229, 248, 450 e 175. Houve um esforço grande dos técnicos em
uma discussão bastante amadurecida, entretanto, falta apoio político para que o
projeto siga adiante.
Primeiramente, é importante compreender a Lei 4.320. A Constituição prevê
elaboração de duas Leis Complementares sobre finanças públicas, uma está
prevista no art. 163 e a outra no art. 165, §9º. Aquela do art. 163 prevê uma
Lei de finanças públicas simplesmente, com base neste dispositivo
constitucional foi elaborada a Lei de Responsabilidade Fiscal. Por outro lado,
o art. 165 em seu §9º prevê a criação de uma lei complementar específica para
dispor sobre o exercício financeiro, vigência, prazos, elaboração e organização
do PPA, da LOA e da LDO, bem como estabelecer normas de gestão financeira e
patrimonial da Administração Pública e condições para instituição e
funcionamento de fundos. Então, interpretamos que a LRF seria uma lei mais
ampla, enquanto que a lei 165 seria uma lei para orientar o processo
orçamentário, detalhando a elaboração e tramitação das peças procedimentais
abrangendo todo o ciclo de gestão.
Nesse contexto, a Lei 4.320 foi recepcionada pelo Supremo Tribunal
Federal como sendo esta a lei que se referia o art. 165 da CF. No entanto, a
Lei 4.320 é de 1964, e está em vigor até hoje tendo vários problemas de
atualização: há sobreposição da LRF, há dispositivos não recepcionados
materialmente pela CF, ela não abrange a questão do planejamento orçamentário,
pois o PPA foi uma criação da CF/88. Se trata de uma lei com muitas
dificuldades para ser implementada, não tem mais a qualidade de que necessitamos
na gestão pública.
Desde a CF/88 tem-se tentado elaborar esta Lei Complementar, uma das
grandes tentativas foi a de 2009, em que se tem uma visão mais atual. Tivemos
três senadores envolvidos com esta reflexão e apoiados por técnicos. A ideia
seria revogar explicitamente os dispositivos revogados pela CF/88 e pela LRF;
normalizar outros dispositivos incluídos pela CF/88 e abordar o PPA e LDO que
não são tratados pela Lei 4.320; enxugar a LDO federal no que se refere a
normas gerais; fazer a convergência das normas internacionais a serem aplicadas
no setor público; ajustar a LRF à CF, tendo em vista as Emendas Constitucionais
posteriores à edição da LRF; orientar a gestão pública para resultados, do
planejamento até o controle, ou seja, focar na qualidade de gasto público. Na
opinião da palestrante este seria o principal ponto, pois assim se solucionaria
vários problemas da gestão contribuindo assim para a constituição de um Estado
meritocrático e também problemas do controle da Administração Pública.
Com base no exposto, surge a reflexão: por que não conseguimos ter um
gasto público de qualidade? Por que não conseguimos ter bons serviços prestados
aos cidadãos?
Nesse sentido, a ideia dos projetos não é substituir a LRF, mas sim ter
a LRF orientada para o equilíbrio fiscal e ter uma outra Lei Complementar que
orientaria a Administração Pública para a qualidade do gasto público. Assim,
estes quatro projetos foram analisados na Comissão de Constituição e Justiça e
na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, onde a tramitação ficou
paralisada. Foi feito um relatório com o substitutivo mas, neste momento, não
houve acordo com o Governo Federal de modo a impedir o prosseguimento do
projeto.
Após a explanação acerca do contexto dos projetos, a palestrante passou
a abordar a estrutura do substitutivo, que faz uma junção dos projetos.
Interessante analisar os detalhes da estrutura do ciclo de gestão nos slides
pelos SLIDES. Começa pela
parte de planejamento seguindo para uma parte de gestão financeira e
patrimonial, concluindo com o controle.
Quanto ao planejamento, sabemos que hoje se trata de uma prática no
Brasil, ou seja, não há uma Lei como norma geral que estabeleça o procedimento
de planejamento. Isso gera uma série de problemas, pois qualquer governante
pode resolver fazer o planejamento de uma forma completamente diferente da do
outro. A quebra de metodologia é discricionária, pois não há lei que oriente,
então, hoje temos várias metodologias de planejamento que não conversam entre
si por faltar norma geral. Desta forma, um dos papéis da Lei Complementar é
orientar o modo de realizar o planejamento para que todos façam de forma igual.
Na metodologia anterior tínhamos a identificação de problemas, mensurada
por um indicador, estrutura um programa com várias ações e estabelece metas
físicas, depois se cria um monitoramento para isso. Portanto, como o
planejamento tem uma meta física associada a uma ideia de custo do projeto e de
cada ação envolvida, então se tem uma relação custo benefício no PPA sendo
possível monitorar o programa e construir indicadores de eficiência, eficácia e
efetividade do gasto público. Até bem pouco tempo tínhamos dificuldade para
construir isso, pois não tínhamos um sistema de custos estruturado na
Administração Pública. Com muita dificuldade conseguiu-se estruturar tal
sistema. Ocorre que, mudaram toda a metodologia do PPA retido nesta mudança as
metas físicas. Então, agora, não se tem mais meta, não sendo possível avaliar
eficiência, eficácia e efetividade.
No substitutivo, os consultores que o elaboraram organizaram o PPA em
programas e ações com ênfase na concatenação de diretrizes, objetivos, metas,
prazos e disponibilidade de recursos e de custos, associados a metas
específicas e determinação de indicadores. Assim, o substitutivo batia de
frente com a diretriz que tinha determinado o Poder Executivo, isto é, de que
não mais haveria meta física. Esta foi uma das razões do projeto ter sido
paralisado. Os responsáveis do Executivo alegavam que o PPA concebido da forma
tradicional engessavam a administração e queriam poder ficar alterando o PPA a
todo momento e através o orçamento.
A palestrante destacou que o crescimento de estruturas paralelas que
fazem o controle do sistema de orçamento e planejamento mas que não se integram
no planejamento geral cria a dificuldade de se concatenar os programas, isto
pois se tem critérios de avaliação não públicos e separados do PPA central.
Este é um problema que se acerbou muito neste governo.
Em seguida, a palestrante adotou o diagnóstico da nota conjunta número 9
de 2011, feito pela Consultoria da Câmara e do Senado. Este diagnóstico
apresentava o enfraquecimento do PPA como instrumento de planejamento, o
governo utilizava o argumento de redução da complexidade da peça procedimental
o que impedia o acompanhamento do PPA. No entanto, na redução dessa
complexidade se passa de 321 para 129 programas, 65 temática, 4327 ações para
nenhuma, se retirou as ações do PPA, e incluiu 493 objetivos e 3503
iniciativas.
Quanto ao tema, a palestrante entende que a agregação não reduz a
complexidade, a realidade é que é complexa. Para compreender esta complexidade
eventualmente fazem-se necessários vários recortes detalhados do PPA e também é
preciso ter visões mais gerenciais que façam agregações e que tenham uma
capacidade melhor de comunicação com o público. A complexidade não é do
planejamento, mas da realidade do planejamento.
Assim, pelo modelo atual não se tem metas quantificadas, os indicadores
não são de resultados, tem dificuldade de avaliação de desigualdades regionais,
tem o PPA submetido integralmente à LOA, podendo ser alterado anualmente pelo
orçamento. Desta forma, se subordina o longo prazo ao curto prazo, quando
deveria ser o contrário: deveríamos estruturar o curto prazo para tingir o
horizonte de longo prazo.
Outro problema apontado pela palestrante são os planos setoriais criados
por leis e decretos em detrimento da estrutura do PPA. Temos o oca, o Brasil
sem miséria, o plano safra agricultura familiar, são vários planos, mas não se
tem um plano que junte tudo e dê racionalidade ao sistema. Isso certamente
dificulta a avaliação, se avalia planos setoriais sem correspondência com
programas e ações do orçamento.
No substitutivo, os consultores subordinaram execução da política, plano
ou programa ao PPA e LDO. Ainda verificamos certa complexidade, pois vivemos em
uma federação. Têm-se planos nacionais e precisa saber como este irá conversar
com os planejamentos estaduais e municipais, adentramos no problema das
competências constitucionais. Para cada uma das políticas é necessário ter uma
estruturação em que se esclareçam papéis para a União, estado e municípios. As
competências de gasto estão mal definidas na própria CF, isso gera o problema
secundário da dificuldade em estruturar as políticas e fazer com que estas
dialoguem com os planejamentos, que são: federal estadual e municipal.
Outro problema são os prazos de envio e devolução do PPA, LDO e LOA. Em
um primeiro ano percebe-se que a LDO está indo antes do PPA, então se
estabelece diretrizes e prioridades de algo que nem existe ainda, há uma
inversão de prazos. Além disso, todos os entes querem sempre ter um prazo mais
longo, o Executivo quer mais prazo para elaborar e o Legislativo que mais prazo
para aprovar e, ainda, a sociedade quer participar, o que demanda tempo. Por
fim, não se consegue integrar estes prazos nacionalmente, pois o PPA está
associado ao mandato, pois vale a partir do segundo ano do mandato do governo
atual. Acontece que o pleito da União e do estado tem uma determinada data e o
do município não coincidi com esta data. Um diálogo federativo para decidir o
que fazer com relação à certa questão e que exija a participação de todos os
âmbitos da federação não será possível, pois o PPA de um está sempre no meio da
aprovação do PPA do outro. Está foi uma das razões pela qual o projeto da
substituição da Lei 4.320 não teve prosseguimento, não se teve acordo sobre
prazos.
Compreendido a complexidade do planejamento passamos a analisar para o
que serve o planejamento e entender o que significa o gasto de qualidade. Ora,
o gasto de qualidade é aquele que o povo quer que seja e deve estar previsto no
PPA. Este planejamento, no governo, não tem o objetivo de obter lucro, mas
fazer a entrega de bens e serviços espelhada no planejamento. Então, é preciso
que o planejamento tenha clareza quanto ao que se quer e criar um método de
gestão com resultados e perseguir este objetivo em todas as etapas da gestão. O
que não é uma coisa fácil, pois usualmente desconstruímos etapas anteriores, se
gasta esforço para fazer o planejamento e posteriormente ao executar o
orçamento o próprio gestor desconstrói o trabalho empregado em outra etapa do
ciclo. Portanto, devem-se identificar as metas e criar instrumentos para que
não haja desconstrução daquilo que já foi planejado e orçado. É preciso exigir
mais da avaliação e interligar a estrutura de planejamento com o sistema de
custos para permitir uma avaliação da qualidade dos gastos públicos.
Isso exige que se façam classificações orçamentárias, e não ficar
mudando os critérios a todo o momento. A classificação por elementos deve
ocorrer apenas na execução, pois não há necessidade de uma conduta muito
detalhista no orçamento, há de se orientar mais para os resultados.
No que tange à inscrição de restos a pagar temos um problema seriíssimo.
Trata-se do orçamento paralelo: temos o orçamento em vigor e os restos a pagar
do exercício anterior. Nos municípios e estados a LRF ajudou muito, pois
estabeleceu que ao final do mandato só pudesse realizar despesas se deixasse
recursos para que o próximo gestor possa realizar o pagamento. Quanto à União
não há efetividade dessa limitação, pois o caixa dela é enorme permitindo a
rolagem da dívida pública. No substitutivo, se pensou em criar uma regra
transitória para reduzir os estoques de restos a pagar. Essa discussão está
ligada ao resultado primário, que é apurado pelo critério de caixa e não de
competência, perdeu-se a referência do que é resultado primário. Uma das
propostas foi arrumar o cálculo do resultado primário e reduzir os restos a
pagar, mas se conseguiria cumprir a meta fiscal desta forma.
Quanto ao contingenciamento preventivo, o substituto o coloca como
proibido. Pela regra da LRF: estabelece PPA e LDO, faz a programação financeira
e compara o que foi efetivamente arrecado e o que foi gasto com despesas com
aquilo que estava previsto na programação. Se neste momento há um indicativo de
que não vai ser possível cumprir a meta fiscal há obrigação de se realizar o
corte. Se não fizer o corte será crime de responsabilidade ou terá que pagar
multa. Atualmente se corta tudo no início e vai liberando aos poucos por
critérios políticos, este é o problema.
O critério da LRF que era olhar para o futuro, verifica se o que se tem
é suficiente para atingir a meta, se não for corta, se estiver sobrando
recompõe, na prática não funciona. Na prática se utiliza o contingenciamento
preventivo: corta tudo no início e libera aos poucos por outros critérios. Isso
explica a rebelião no Congresso ao tentar aprovar um orçamento mandatório, pois
ele aprova um orçamento que é desconstituído na execução.
Além dos temas já apresentados, o substituto também aborda: metodologia
do resultado primário e nominal; classificação da dívida; normas de
contabilidade; separa os conceitos aplicados a orçamento e a contabilidade;
demonstrações contábeis; definição de fundos de gestão orçamentária e o de
gestão especial; reforçar o sistema de transparência, ideia de ter a
contabilidade de todos os entes da Administração na internet possibilitando
comparações; fortalecer a meritocracia, ou seja, ter concurso público nas
atividades fim e os cargos em comissão ficariam submetidos a limites de um
grande percentual ocupados por servidores de carreira; proteger áreas
estratégicas e regular conflitos de interesses; instituir o controle interno,
atualmente não há regulamentação de controle interno; criar prazos para
julgamento de contas no controle externo; dentre outros.
Diante de todo o exposto, perdemos que se trata de um projeto que faz
diagnóstico do ciclo de gestão. Procura orientar toda a gestão para resultados,
criando metas para isso. Obriga assim a gestão a criar resultados, por exemplo,
a contabilidade teria informações sobre resultados, o controle teria que focar
em resultados, na execução se teria que observar os resultados e não a
distribuição entre os entes. Desta forma, tem-se a avaliação da qualidade dos
serviços públicos pelo usuário final, o cidadão.
Ao final foi realizada a seguinte pergunta: na teoria, a accontability da nova gestão pública tem
um grande foco no resultado, mas na literatura aponta que o déficit da accontability está no processo.
Entretanto, hoje discutimos pontos de processo: o governo precisa ter uma norma
que oriente como fazer um planejamento. Isso se mostra contraditório com o
apresentado pela doutrina. Nesse contexto, ao elaborar este projeto de Lei
Complementar havia esta riqueza teórica por traz, ou seja, se estavam pensando
no conceito de Administração Pública focado no resultado com o objetivo de dar
início a uma forma de planejamento estratégico?
A palestrante respondeu que a equipe que elaborou o substitutivo
tem visões diferenciadas. A visão da palestrante é de gestão por resultado, não
se dá para perseguir resultado sem focar em processo, pois elaborar bons
planejamentos consome esforço, tempo e energia e depois desconstruir este
trabalho na execução com o contingenciamento preventivo é ilógico. Na
contabilidade não se tem um número sobre resultado, ao chegar ao controle
tem-se que se preocupar com o resultado, mas não se tem acesso ao número, pois
a informação foi desconstruída ao longo do processo, assim, não consegue focar
no resultado, embora devesse. Então, falta informação, pois o processo não está
construído para gerar gasto público de qualidade. CLIQUE AQUI para ver os Slides do Seminário.
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