sábado, 1 de novembro de 2014

Veja como foi: Palestra do Marcos Mendes no dia 27/10

O economista Marcos Mendes publicou livro com o seguinte título: porque o Brasil cresce pouco? É a esta pergunta que procura responder com a exposição da palestra, destacando que um dos pontos centrais para responder ao questionamento levantado é o estudo dos assuntos fiscais e orçamentários. Primeiramente, importante ter em mente para o que serve o orçamento. O orçamento, dentre outras finalidades, serve para controlar despesas, definir fontes de recursos, quanto de receita estes recursos irão produzir, dar transparência ao Estado. Entretanto, constata-se que o processo orçamentário brasileiro cumpre mal estas funções, vamos entender o porquê.


Desde a redemocratização do Brasil o cenário fiscal brasileiro sempre foi o mesmo: a despesa corrente sempre cresceu independente de quem estivesse no governo, e a carga tributária também cresceu tentando acompanhar o gasto, entretanto crescendo menos que o gasto corrente. Com o aumento da carga tributária o sistema ficou mais complexo e mais ineficiente, criando distorções nos preços e nas decisões dos consumidores. Desta forma, temos processos ineficientes e conturbados dentro de um contexto onde os gastos crescem muito, assim como a carga tributária. 
Todos os economistas que estudam a questão fiscal chegam a conclusão de que este padrão de política fiscal reprime o crescimento econômico. O aumento da carga tributária aumenta também o curso tributário das empresas e, por consequência, diminui a rentabilidade das mesmas e o seu investimento. Impostos altos provocam perda da lucratividade em vários setores, não havendo investimento. Embora os economistas concordem que tem que parar de aumentar os gastos públicos e as cargas tributárias, o governo não tem atendido estes argumentos, independentemente da ideologia partidária que esteja no poder.
Deste modo, pode-se dizer que os economistas também não têm entendido quais são as "causas profundas" deste crescimento duradouro do gasto público e da carga tributária, que fazem a nossa economia ser ineficiente e crescer pouco. Assim, o palestrante esclarece que a "causa profunda" por trás desse forte crescimento do gasto público e carga tributária seria a coexistência da alta desigualdade de renda e ampla democracia. 
Nesse contexto, importante lembrar que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Mesmo com a queda recente da desigualdade somos o terceiro país mais desigual da América Latina. Somos desiguais desde o descobrimento do Brasil, desde a divisão das terras em Seis-Marias houve a concentração patrimonial. Uma característica tão marcante como essa foi condicionante na forma de organização do Estado brasileiro, moldando o funcionamento da nossa economia e por consequência, influenciando o crescimento econômico brasileiro. 


No Brasil estudamos a desigualdade de duas formas: medir a desigualdade, através o índice de Gini, por exemplo; e estudar como diminuir a desigualdade, quais políticas realizar para tanto. Além dessas formas há uma terceira, muito pouco utilizada no Brasil: o que a desigualdade causa no nosso cenário econômico-social, sobre a constituição das nossas instituições. Neste enfoque, o palestrante defende a tese de que é a combinação entre desigualdade e democracia que gera esse padrão de gasto público e carga tributária crescente. Isto, pois, na democracia os governos são suscetíveis a pressão política dos vários agentes sociais e, em uma sociedade desigual as pessoas são muito diferentes entre si: capital humano, nível de estudo, carências. 
Portanto, as demandas de cada grupo social sobre o Estado são muito diferentes. Ao mesmo tempo, a democracia brasileira é muito nova frágil, sendo assim, a tendência da classe política governante é tentar atender a todos os grupos, evitando conflitos sociais. Desta forma, construiu-se no Brasil um sistema em que o Estado redistribui renda para todos os grupos, ricos e pobres. Ao somar todas essas demandas o gasto público fica exorbitante. 

Fazendo um contraste: o que seria o contrário de uma sociedade desigual? Seria uma sociedade mais igualitária, em que a maioria das pessoas fossem da classe média, nesse sentido, há o chamado "consenso da classe média". É um raciocínio intuitivo, não vai ter na ponta da redistribuição de renda uma quantidade enorme de pessoas necessitado de grande assistência social para sobreviver, nem magnatas na outra ponta exigindo políticas públicas que lhe beneficiem. Há uma grande classe média formando uma sociedade menos desigual: a grande maioria das pessoas paga impostos, são parecidas quanto às expectativas frente ao Estado. Assim, o Estado fica submetido a menos situações contraditórias para fornecer serviços públicos.


Em seguida, o palestrante apresentou exemplos concretos de como os Estado brasileiro redistribui renda para os ricos. Há uma série de políticas, a maioria delas é extraorçamentária, isto é, transferência de renda que não aparece no orçamento público. O primeiro exemplo foi o da política de campeões nacionais realizada pelo BNDES, em que são escolhidas algumas empresas para obterem créditos subsidiados, o custo público disso é enorme e não há clareza na escolha dessas empresas. Outra prática comum é acesso de grupos politicamente conectados aos recursos dos fundos de pensão das estatais. São mecanismos de concentração de renda com pouca transparência e fora do orçamento público. A consequência disso para a política fiscal são altos custos fiscais dos financiamentos subsidiados, dos recursos desviados ou dos passivos assumidos pelo setor público.

Além da distribuição para os ricos temos a distribuição para os pobres. Quando uma sociedade se democratiza há uma grande gasto pois na sociedade autoritária a permanência dos políticos no poder não depende dos pobres; ao passar para uma sociedade democrática os políticos deverão atender as demandas da classe mais pobre, que são a grande parte dos eleitores. A necessidade de votos para sobreviver em uma democracia livre leva os políticos a expandir as políticas sociais. Isto pois, os pobres representam um grande contingente de eleitores. Foi isso que aconteceu no Brasil, com a redemocratização houve um grande aumento das políticas públicas. A redistribuição para os mais pobres está presente no orçamento público de forma clara, diferente do que acontece na redistribuição para os mais ricos.


Quanto à redistribuição para a classe média, a importância desta se deu com a redemocratização, momento em que passou a ter voz com a sua capacidade de mobilização de informações, principalmente com os sindicatos. O maior exemplo é o sistema previdenciário atual que tem como principal beneficiário a classe média, é um sistema caro e insustentável em longo prazo. O modelo previdenciário atual beneficia fortemente a classe média. Ademais, os servidores públicos têm um sistema de aposentadoria privilegiada. E ainda, o ensino superior gratuito nas universidades públicas gera um gasto público violento, tem sempre um viés a favor dos estudantes da classe alta em decorrência da exigência do vestibular e da baixa qualidade do ensino médio público. Destaca ainda que não há lógica redistributiva na isenção de passagem em transporte público aos idosos, inclusive os de classe média alta, em que o trabalhador de classe baixa tem que pagar para que o idoso de classe alta não pague transporte público. Então, fechando a exemplificação conclui-se que o Estado brasileiro distribui para todo mundo, por isso os gastos são exorbitantes.
Em seguida o palestrante demonstra a evolução dos grandes números da despesa do governo federal em uma tabela das principais despesas primárias do orçamento geral da União entre 2004 e 2013 (está tabela pode ser acessada através do LINK). Política social crescente no período apresentado percebe-se a pressão eleitoral tem grande peso no orçamento público. Grande gasto previdenciário, tendência que aumente com o tempo. Despesa em saúde mais ou menos constante como proporção da receita. A educação teve uma trajetória diferente, como consequência do aumento da participação da União no financiamento de estados e municípios e do programa da expansão das universidades. Despesa de pessoal bem pesada, concentra renda e vai para os seguimentos de rendas mais altas da sociedade. Assim, o total de despesas orçamentárias consumiu quase 83% da receita, o investimento foi bem pequeno. Então, não há espaço para investimento no nosso orçamento.
O problema desse modelo de distribuir para todos é que as pessoas vão se acostumando a sempre demandar mais. Tem-se determinado recurso explorado por várias pessoas, este recurso tende ao esgotamento, pois ninguém irá se preocupar em preservar sabendo que os outros também não irão.
Assim, com a entrada de grupos de renda baixa e intermediária após a redemocratização, multiplicam-se as demandas por privilégios, com interesses cruzados e conflitantes, com impacto sobre as finanças públicas. Por exemplo, um empresário que recebe subsídio estatal entretanto tem que pagar uma carga tributária enorme para financiar outros programas sociais, mas, por outro lado, tem que escoar seus produtos em estradas de estrutura da baixa qualidade. Assim, difícil dizer se em uma conta líquida o indivíduo está perdendo ou ganhando, se a reforma tributária será benéfica ou não, há uma grande insegurança.

As pessoas ficam cada vez mais espertas e aprendem a viver nesse modelo. Na disputa política acaba acontecendo um vale tudo redistributivo. Um exemplo é o pedágio, o governo adora dizer que o pedágio será barato, mas sabe que a empresa não terá condições de manter o baixo preço, então, por trás o governo fornece um benefício via BNDS àquela empresa. Outro caso interessante é o do resgate financeiro de pequenos agricultores, se o pequeno agricultor falir ele não terá seu meio subsistência, então faz-se um programa social para ajudar este pequeno agricultor, no entanto, ao chegar no Congresso se retira essa restrição do pequeno agricultar e engloba o grande agricultor que passa também a não pagar suas dívidas.


Verificamos então os reflexos sobre o orçamento: superestimação da receita para acomodar despesas adicionais neste intenso conflito redistributivo. O Estado se especializou em ser um administrador de interesses de grupos e perde o foco na qualidade do gasto. Há um contingenciamento para excluir gastos a favor daqueles que perdem no conflito distributivo. Outra característica típica da ineficiência do nosso sistema é ser os nossos investimentos uma parcela mínima dos nossos gastos. Há uma repressão nos gastos em infraestrutura, pois empreiteiras ganham com obras estatais. Outra consequência deste conflito distributivo e a despesa sempre crescente é a contabilidade criativa: gastos extraorçamentários, onde cria-se despesas que não aparecem no orçamento burlando a transparência.
Por outro lado, temos um lado positivo desse sistema disfuncional: manter a democracia. Agrada todos os grupos de interesse, tanto é assim que temos tantos anos de democracia em uma sociedade tão desigual e polarizada quanto a nossa. Mas nada garante que este modelo funcionará para sempre. Temos então que fazer reformas que reduza a desigualdade e torne a economia mais eficiente: reforma da previdência, por exemplo, incentiva o sistema econômico e redistribui renda. Dentro dessas reformas está o fortalecimento do processo orçamentário, que tem sido aplicado em vários países através de uma instituição fiscal independente que tem uma grande comunicação com as grandes mídias de forma a chamar a atenção do público quanto a qualidade da administração orçamentária. Em segundo lugar, deve-se focar em políticas sociais e com isso reduzir a desigualdade. Tem-se também que reforçar e aperfeiçoar a Lei de responsabilidade fiscal. Importante também resistir às contrarreformas fiscais, há muitos projetos que são autorizados mas acabam por desestabilizar a renda. Por fim, devem-se aproveitar as janelas de oportunidade para fazer reforma como as crises de 63 e 64 e também as dos anos 90 que obrigaram o governo a fazer reforma fiscal. CLIQUE AQUI para ver os Slides do Seminário.


Nenhum comentário:

Postar um comentário