O economista Marcos Mendes publicou livro com o seguinte título:
porque o Brasil cresce pouco? É a esta pergunta que procura responder com a
exposição da palestra, destacando que um dos pontos centrais para
responder ao questionamento levantado é o estudo dos assuntos fiscais e
orçamentários. Primeiramente, importante ter em
mente para o que serve o orçamento. O orçamento, dentre outras finalidades,
serve para controlar despesas, definir fontes de recursos, quanto de receita
estes recursos irão produzir, dar transparência ao Estado. Entretanto,
constata-se que o processo orçamentário brasileiro cumpre mal estas funções,
vamos entender o porquê.
Desde a redemocratização do Brasil o cenário fiscal brasileiro sempre
foi o mesmo: a despesa corrente sempre cresceu independente de quem estivesse
no governo, e a carga tributária também cresceu tentando acompanhar o gasto,
entretanto crescendo menos que o gasto corrente. Com o aumento da carga
tributária o sistema ficou mais complexo e mais ineficiente, criando distorções
nos preços e nas decisões dos consumidores. Desta forma, temos processos
ineficientes e conturbados dentro de um contexto onde os gastos crescem muito,
assim como a carga tributária.
Todos os economistas que estudam a questão fiscal chegam a conclusão de
que este padrão de política fiscal reprime o crescimento econômico. O aumento
da carga tributária aumenta também o curso tributário das empresas e, por
consequência, diminui a rentabilidade das mesmas e o seu investimento. Impostos
altos provocam perda da lucratividade em vários setores, não havendo
investimento. Embora os economistas concordem que tem que parar de aumentar os
gastos públicos e as cargas tributárias, o governo não tem atendido estes
argumentos, independentemente da ideologia partidária que esteja no poder.
Deste modo, pode-se dizer que os economistas também não têm entendido
quais são as "causas profundas" deste crescimento duradouro do gasto
público e da carga tributária, que fazem a nossa economia ser ineficiente e
crescer pouco. Assim, o palestrante esclarece que a "causa profunda"
por trás desse forte crescimento do gasto público e carga tributária seria a
coexistência da alta desigualdade de renda e ampla democracia.
Nesse contexto, importante lembrar que o Brasil é um dos países mais
desiguais do mundo. Mesmo com a queda recente da desigualdade somos o terceiro
país mais desigual da América Latina. Somos desiguais desde o descobrimento do
Brasil, desde a divisão das terras em Seis-Marias houve a concentração
patrimonial. Uma característica tão marcante como essa foi condicionante na
forma de organização do Estado brasileiro, moldando o funcionamento da nossa
economia e por consequência, influenciando o crescimento econômico
brasileiro.
No Brasil estudamos a desigualdade de duas formas: medir a desigualdade,
através o índice de Gini, por exemplo; e estudar como diminuir a desigualdade,
quais políticas realizar para tanto. Além dessas formas há uma terceira, muito
pouco utilizada no Brasil: o que a desigualdade causa no nosso cenário
econômico-social, sobre a constituição das nossas instituições. Neste enfoque,
o palestrante defende a tese de que é a combinação entre desigualdade e
democracia que gera esse padrão de gasto público e carga tributária crescente.
Isto, pois, na democracia os governos são suscetíveis a pressão política dos
vários agentes sociais e, em uma sociedade desigual as pessoas são muito
diferentes entre si: capital humano, nível de estudo, carências.
Portanto, as demandas de cada grupo social sobre o Estado são muito diferentes.
Ao mesmo tempo, a democracia brasileira é muito nova frágil, sendo assim, a
tendência da classe política governante é tentar atender a todos os grupos,
evitando conflitos sociais. Desta forma, construiu-se no Brasil um sistema em
que o Estado redistribui renda para todos os grupos, ricos e pobres. Ao somar
todas essas demandas o gasto público fica exorbitante.
Fazendo um contraste: o que seria o contrário de uma sociedade desigual?
Seria uma sociedade mais igualitária, em que a maioria das pessoas fossem da
classe média, nesse sentido, há o chamado "consenso da classe média".
É um raciocínio intuitivo, não vai ter na ponta da redistribuição de renda uma
quantidade enorme de pessoas necessitado de grande assistência social para sobreviver,
nem magnatas na outra ponta exigindo políticas públicas que lhe beneficiem. Há
uma grande classe média formando uma sociedade menos desigual: a grande maioria
das pessoas paga impostos, são parecidas quanto às expectativas frente ao
Estado. Assim, o Estado fica submetido a menos situações contraditórias para
fornecer serviços públicos.
Em seguida, o palestrante apresentou exemplos concretos de como os
Estado brasileiro redistribui renda para os ricos. Há uma série de políticas, a
maioria delas é extraorçamentária, isto é, transferência de renda que não
aparece no orçamento público. O primeiro exemplo foi o da política de campeões
nacionais realizada pelo BNDES, em que são escolhidas algumas empresas para
obterem créditos subsidiados, o custo público disso é enorme e não há clareza
na escolha dessas empresas. Outra prática comum é acesso de grupos
politicamente conectados aos recursos dos fundos de pensão das estatais. São
mecanismos de concentração de renda com pouca transparência e fora do orçamento
público. A consequência disso para a política fiscal são altos custos fiscais
dos financiamentos subsidiados, dos recursos desviados ou dos passivos
assumidos pelo setor público.
Além da distribuição para os ricos temos a distribuição para os pobres.
Quando uma sociedade se democratiza há uma grande gasto pois na sociedade
autoritária a permanência dos políticos no poder não depende dos pobres; ao
passar para uma sociedade democrática os políticos deverão atender as demandas
da classe mais pobre, que são a grande parte dos eleitores. A necessidade de
votos para sobreviver em uma democracia livre leva os políticos a expandir as
políticas sociais. Isto pois, os pobres representam um grande contingente de
eleitores. Foi isso que aconteceu no Brasil, com a redemocratização houve um
grande aumento das políticas públicas. A redistribuição para os mais pobres
está presente no orçamento público de forma clara, diferente do que acontece na
redistribuição para os mais ricos.
Quanto à redistribuição para a classe média, a importância desta se deu
com a redemocratização, momento em que passou a ter voz com a sua capacidade de
mobilização de informações, principalmente com os sindicatos. O maior exemplo é
o sistema previdenciário atual que tem como principal beneficiário a classe
média, é um sistema caro e insustentável em longo prazo. O modelo
previdenciário atual beneficia fortemente a classe média. Ademais, os
servidores públicos têm um sistema de aposentadoria privilegiada. E ainda, o
ensino superior gratuito nas universidades públicas gera um gasto público
violento, tem sempre um viés a favor dos estudantes da classe alta em
decorrência da exigência do vestibular e da baixa qualidade do ensino médio
público. Destaca ainda que não há lógica redistributiva na isenção de passagem
em transporte público aos idosos, inclusive os de classe média alta, em que o
trabalhador de classe baixa tem que pagar para que o idoso de classe alta não
pague transporte público. Então, fechando a exemplificação conclui-se que o
Estado brasileiro distribui para todo mundo, por isso os gastos são
exorbitantes.
Em seguida o palestrante demonstra a evolução dos grandes números da
despesa do governo federal em uma tabela das principais despesas primárias do
orçamento geral da União entre 2004 e 2013 (está tabela pode ser acessada
através do LINK).
Política social crescente no período apresentado percebe-se a pressão eleitoral
tem grande peso no orçamento público. Grande gasto previdenciário, tendência
que aumente com o tempo. Despesa em saúde mais ou menos constante como
proporção da receita. A educação teve uma trajetória diferente, como
consequência do aumento da participação da União no financiamento de estados e
municípios e do programa da expansão das universidades. Despesa de pessoal bem
pesada, concentra renda e vai para os seguimentos de rendas mais altas da
sociedade. Assim, o total de despesas orçamentárias consumiu quase 83% da
receita, o investimento foi bem pequeno. Então, não há espaço para investimento
no nosso orçamento.
O problema desse modelo de distribuir para todos é que as pessoas vão se
acostumando a sempre demandar mais. Tem-se determinado recurso explorado por
várias pessoas, este recurso tende ao esgotamento, pois ninguém irá se
preocupar em preservar sabendo que os outros também não irão.
Assim, com a entrada de grupos de renda baixa e intermediária após a redemocratização,
multiplicam-se as demandas por privilégios, com interesses cruzados e
conflitantes, com impacto sobre as finanças públicas. Por exemplo, um
empresário que recebe subsídio estatal entretanto tem que pagar uma carga
tributária enorme para financiar outros programas sociais, mas, por outro lado,
tem que escoar seus produtos em estradas de estrutura da baixa qualidade.
Assim, difícil dizer se em uma conta líquida o indivíduo está perdendo ou
ganhando, se a reforma tributária será benéfica ou não, há uma grande
insegurança.
As pessoas ficam cada vez mais espertas e aprendem a viver nesse modelo.
Na disputa política acaba acontecendo um vale tudo redistributivo. Um exemplo é
o pedágio, o governo adora dizer que o pedágio será barato, mas sabe que a
empresa não terá condições de manter o baixo preço, então, por trás o governo
fornece um benefício via BNDS àquela empresa. Outro caso interessante é o do
resgate financeiro de pequenos agricultores, se o pequeno agricultor falir ele
não terá seu meio subsistência, então faz-se um programa social para ajudar
este pequeno agricultor, no entanto, ao chegar no Congresso se retira essa
restrição do pequeno agricultar e engloba o grande agricultor que passa também
a não pagar suas dívidas.
Verificamos então os reflexos sobre o orçamento: superestimação da
receita para acomodar despesas adicionais neste intenso conflito
redistributivo. O Estado se especializou em ser um administrador de interesses
de grupos e perde o foco na qualidade do gasto. Há um contingenciamento para
excluir gastos a favor daqueles que perdem no conflito distributivo. Outra
característica típica da ineficiência do nosso sistema é ser os nossos
investimentos uma parcela mínima dos nossos gastos. Há uma repressão nos gastos
em infraestrutura, pois empreiteiras ganham com obras estatais. Outra
consequência deste conflito distributivo e a despesa sempre crescente é a
contabilidade criativa: gastos extraorçamentários, onde cria-se despesas que
não aparecem no orçamento burlando a transparência.
Por outro lado, temos um lado positivo desse sistema disfuncional: manter
a democracia. Agrada todos os grupos de interesse, tanto é assim que temos
tantos anos de democracia em uma sociedade tão desigual e polarizada quanto a
nossa. Mas nada garante que este modelo funcionará para sempre. Temos então que
fazer reformas que reduza a desigualdade e torne a economia mais eficiente:
reforma da previdência, por exemplo, incentiva o sistema econômico e
redistribui renda. Dentro dessas reformas está o fortalecimento do processo
orçamentário, que tem sido aplicado em vários países através de uma instituição
fiscal independente que tem uma grande comunicação com as grandes mídias de
forma a chamar a atenção do público quanto a qualidade da administração
orçamentária. Em segundo lugar, deve-se focar em políticas sociais e com isso reduzir
a desigualdade. Tem-se também que reforçar e aperfeiçoar a Lei de
responsabilidade fiscal. Importante também resistir às contrarreformas fiscais,
há muitos projetos que são autorizados mas acabam por desestabilizar a renda.
Por fim, devem-se aproveitar as janelas de oportunidade para fazer reforma como
as crises de 63 e 64 e também as dos anos 90 que obrigaram o governo a fazer
reforma fiscal.
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